Por Delmo Pinho – Assessor da Presidência da Fecomércio RJ, ex-Secretário Estadual de Transportes, Engenheiro e MSc em Engenharia Civil
Recentemente, a Diretoria da Anac aprovou a modelagem de concessão do Bloco de Aeroportos, que inclui o Santos Dumont (SDU), trazendo apreensão a cariocas e fluminenses. O próximo passo, anunciado pelo Ministério da Infraestrutura, será o encaminhamento da documentação para aprovação pelo TCU e, em seguida, partir para a licitação e a concessão para a operação privada.
Importante lembrar que, numa concessão de serviço público, tal como é o caso dos aeroportos, o princípio lógico que norteia o processo é a capacidade da iniciativa privada em desonerar o ente público de investimentos na operação, em obras e melhorias, dando viabilidade e rentabilidade ao negócio. Mirando, dessa forma, o desenvolvimento econômico e social da região onde o bem está localizado.
Assim, mesmo sendo consenso que a transferência do aeroporto para a operação privada é oportuna e necessária, a sociedade fluminense vem apontando que a modelagem está equivocada. Ela reforça o quadro de seguido desequilíbrio operacional entre os dois aeroportos metropolitanos (SDU e Galeão), inviabilizando a formação do Hub Aéreo Internacional do Rio.
Neste contexto, três questões primordiais parecem não ter sido incorporadas à modelagem. A primeira delas é a tendência de desequilíbrio nos aeroportos metropolitanos do Rio e de BH, que é antiga e data do início dos anos 2000. A segunda, o reduzido conhecimento dos impactos advindos das sucessivas crises econômicas e políticas que atingiram o Rio desde 2014. E a terceira, e possivelmente a mais grave, a fragilidade da análise econômica da concessão do Santos Dumont. Ela não considerou os efeitos sinérgicos de tais eventos, notadamente nos primeiros 10 anos de concessão do SDU, e seus impactos negativos pelo enfraquecimento / inviabilidade do nosso Hub Aéreo Internacional, notadamente sobre o turismo e o comércio em geral, as indústrias do petróleo e gás, farmacêutica e aeronáutica. Todas bastante dependentes das cargas aéreas importadas, seja ainda nos efeitos sobre o Galeão, que possivelmente seria inviabilizado no curto prazo.
A questão econômica merece destaque por ter sido muito mais forte no Rio do que em outros estados da federação onde destacamos desde 2014, a crise da Lava Jato com a da Petrobras e a crise /derrubada da cotação do petróleo. Eventos que, interligados, atingiram o Rio como poucos lugares no mundo, já que 30% do nosso PIB está atrelado a esta atividade. Ainda tivemos a crise política no Rio e a nível nacional, a enorme recessão brasileira, a quase falência financeira do Estado e da Prefeitura do Rio e a crise mundial advinda da Covid.
Mesmo ante tais dificuldades, a economia do Rio mostra sinais de que vem se recuperando, até acima do esperado, mas evidentemente começa de um patamar menor que o anterior. Por tais razões, a retomada no movimento de passageiros na cidade é mais complexa do que em outros locais do país.
O Rio de Janeiro, 2º PIB do país e primeiro destino de turismo do Brasil e da América do Sul, nos últimos dois anos é o mercado com a menor recuperação de passageiros da aviação doméstica do país, ficando 18 pontos percentuais abaixo da média brasileira. O principal motivo é a fragmentação contínua da sua malha aérea doméstica, que está fortemente concentrada no SDU, onde estão 2/3 dos passageiros, frente a apenas 1/3 no Galeão. Atualmente, o Rio (SDU e Galeão somados) é servido por apenas 30 destinos nacionais, frente a Porto Alegre (33), Cuiabá (33), Recife (39), Belo Horizonte (43), Brasília (44), São Paulo (55) e Campinas (60). Essa falta de conectividade doméstica por sua vez impacta a capacidade do Rio de Janeiro em recuperar a sua malha internacional. Esta, continua se concentrando em São Paulo, que detém 38 destinos internacionais, frente a apenas 13 destinos internacionais no Rio.
Um balanço do ocorrido pós Audiência Pública de concessão do SDU (27/10/21) mostra que houve intensa participação e muitas contribuições técnicas feitas por especialistas e pelas principais entidades empresariais do Rio. O ponto em comum é a discordância do modelo apresentado pela Anac, que prevê a super utilização e expansão do Santos Dumont com aumento de 60% na capacidade operacional do aeroporto, passando de 9 milhões de passageiros/ano para até 14,6 milhões de passageiros/ano, sem considerar quaisquer efeitos sobre a cidade, a economia do Estado do Rio e sobre o Galeão, que ficaria literalmente sem passageiros. Para agravar o quadro, na aprovação da modelagem, a Anac ampliou ainda mais os prazos inicialmente previstos para a realização de investimentos no SDU.
Evidentemente, esta ação desencadeou reações contundentes, haja visto o recente Decreto Legislativo Estadual que cancela a licença ambiental concedida para adequações da pista de pouso do SDU, além da grande quantidade de manifestações e protestos encaminhados ao TCU, ao MPF e ao MPE, e notícias de intenção de ajuizamento de ações na esfera federal.
O Santos Dumont é um aeroporto maravilhoso, mas nunca poderá cumprir o papel de Hub Aéreo Internacional. O Galeão, por sua vez, foi construído para ser um Hub, e nele a União investiu mais de US$ 5 bilhões nos últimos 40 anos. Para reforçar, os dois aeroportos são propriedade da União, e a conta operacional e financeira dos dois ativos aeroportuários (SDU e Galeão) deve ser analisada em conjunto, visto o forte risco de sobrar uma conta cara a ser paga pelo Tesouro Nacional.
Não se pode perder a oportunidade de reorganizar e equilibrar tal quadro, e a concessão do SDU é justamente o momento oportuno e justificável para tal. A solução é simples e conhecida, basta limitar a operação do aeroporto Santos Dumont, atendendo aproximadamente até 8 milhões de passageiros/ano, volume apenas 10% menor do que a capacidade atual do aeroporto, o que melhora o nível de conforto dos seus atuais usuários.
Daí para frente os novos voos devem ser alocados no Galeão, por um prazo de aproximadamente 10 anos, quando o mercado estaria equilibrado e os limites de uso do SDU e Galeão poderiam ser revistos, mas já teríamos consolidado o Hub Aéreo Internacional de passageiros e cargas do Rio.
Complementar ao limite para o Santos Dumont, que é o item mais importante e fundamental para a retomada do Hub Aéreo Internacional, foi desenvolvida a modelagem de uma linha de metrô leve, conectando a estação Estácio do Metrô ao Galeão, com paradas atendendo a região da Rodoviária, Into, Vila do João, Maré e Fundão. Além de beneficiar o aeroporto, seria um maravilhoso projeto social e de transporte para todas as pessoas daquela região. O investimento na nova linha seria coberto por uma pequena parcela das outorgas pagas pelo Galeão e futuramente pelo Santos Dumont.
A discórdia e o desentendimento não nos levarão a lugar algum. Assim, precisamos do urgente retorno às mesas de negociação e da busca do entendimento entre as partes.