
Por Carlos Américo Freitas Pinho, consultor Jurídico da Fecomércio RJ e advogado especialista em Direito do Trabalho
Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDRs) são mecanismos processuais que visam a uniformizar a interpretação para questões de direito que se repetem em múltiplos processos, evitando decisões conflitantes e gerando precedentes vinculantes para as instâncias inferiores.
Nos dissídios coletivos, tais incidentes frequentemente tratam de controvérsias relacionadas a questões econômicas e condições de trabalho, especialmente após negociações frustradas entre as partes. Embora as decisões normativas também sejam vinculantes, em outras áreas do direito, elas não geram precedentes amplos como no IRDR, em que as partes podem, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica.
Dessa forma, as partes permitem que a Justiça do Trabalho decida o conflito, respeitando as disposições legais mínimas e convenções anteriores. O Ministério Público do Trabalho também pode intervir em casos de greve em atividades essenciais, ajuizando dissídio coletivo quando houver risco ao interesse público.
Conforme o artigo 898 da CLT, podem recorrer de decisões em dissídio coletivo as partes, o presidente do respectivo tribunal e a Procuradoria da Justiça do Trabalho — em todos os casos, o efeito é meramente devolutivo, permitindo a execução provisória até a penhora. As sentenças normativas têm vigência a partir da publicação ou do término de um acordo anterior, conforme o artigo 616, § 3º, da CLT.
Uma vez instaurado o IRDR, os recursos em casos idênticos ficam suspensos até o pronunciamento definitivo do Tribunal Superior do Trabalho, garantindo uma resolução uniforme e evitando decisões divergentes.
Os IRDRs em dissídios coletivos geralmente envolvem questões econômicas, condições de trabalho e greves em atividades essenciais, visando a uniformizar a interpretação pela Justiça do Trabalho. Introduzidos pelo Código de Processo Civil de 2015, através dos artigos 976 a 987, os IRDRs podem ser aplicados ao processo trabalhista, conforme o artigo 15 do CPC.
A uniformização jurisprudencial é, portanto, a grande vantagem do IRDR. Questões comuns, como adicionais salariais ou regras de jornada, podem ser decididas de forma consistente. Por exemplo, se diversos sindicatos questionarem a legalidade de um mesmo plano de demissão voluntária, o IRDR pode resolver a questão uniformemente, promovendo segurança jurídica com economia de tempo e de recursos.
Generalização excessiva
Entretanto, o IRDR pode resultar em generalizações excessivas, ignorando diferenças regionais e setoriais, o que pode levar a decisões inadequadas. Além disso, o tempo necessário para ele tramitar pode atrasar decisões urgentes e a centralização das decisões pode ser vista como uma limitação à autonomia dos juízos de primeira instância.
Um exemplo típico de IRDR seria a validade de cláusulas em convenções coletivas sobre trabalho intermitente, cuja aplicação é questionada em diversas ações. O TST pode decidir a questão, orientando as instâncias inferiores na aplicação uniforme do entendimento.
STF julga ações decisivas
No Supremo Tribunal Federal, a decisão sobre a terceirização de atividades-fim foi julgada por meio de IRDR, afetando muitos processos semelhantes no país. Atualmente, dois desses incidentes estão aguardando julgamento. O primeiro discute o direito de oposição do trabalhador não filiado ao sindicato em relação a contribuições ou decisões em convenções coletivas — tema sensível, porque envolve a liberdade de associação e o fortalecimento da representação sindical.
O segundo IRDR aborda a necessidade de concordância da parte contrária para a instauração de dissídio coletivo, questionando se tal dissídio pode ser instaurado unilateralmente. Este requisito está diretamente relacionado ao princípio do diálogo social e da negociação coletiva, que são pilares fundamentais das relações trabalhistas no Brasil.
De acordo com o artigo 114, §2º, da Constituição, a instauração de dissídio coletivo de natureza econômica exige o comum acordo entre as partes, salvo em casos excepcionais, como greves em atividades essenciais que possam lesar o interesse público — sob esta hipótese, o Ministério Público do Trabalho pode ajuizar o dissídio coletivo. Tal exigência visa a incentivar a negociação direta entre empregadores e trabalhadores, fortalecendo o papel das convenções e acordos coletivos como instrumentos de autocomposição de conflitos.
No entanto, a possibilidade de instauração unilateral de dissídios coletivos levanta questionamentos sobre a eficácia do sistema de negociação coletiva e o papel do Judiciário na mediação de conflitos trabalhistas. A decisão sobre esse tema no âmbito de um IRDR terá implicações significativas, pois poderá estabelecer um precedente vinculante que virá a influenciar a atuação dos sindicatos e a dinâmica das relações coletivas de trabalho no Brasil.
A discussão sobre a necessidade de concordância da parte contrária para a instauração de dissídio coletivo reflete-se diretamente na autonomia sindical e na soberania das assembleias. Como destacado, as assembleias são soberanas em suas decisões e os temas aprovados em convenções ou acordos coletivos possuem força normativa, conforme o artigo 611-A da CLT, o qual estabelece a prevalência do negociado sobre o legislado.
Decisões judiciais que questionem a validade de cláusulas coletivas ou que permitam a instauração unilateral de dissídios podem gerar insegurança jurídica e enfraquecer o sistema de negociação coletiva. É importante, ainda, lembrar que ações de nulidade de cláusulas coletivas possuem legitimações específicas e devem observar o devido processo legal, respeitando a soberania das decisões coletivas.
Equilíbrio e exceções
Os julgamentos de IRDRs sobre dissídios coletivos são aguardados com grande expectativa, pois suas decisões terão impacto direto no direito coletivo do trabalho. Ao uniformizar a interpretação sobre a necessidade de concordância para sua instauração, os tribunais poderão estabelecer diretrizes claras para evitar conflitos jurídicos futuros e promover maior segurança jurídica nas relações trabalhistas.
Contudo, é essencial que tais decisões considerem o equilíbrio entre a autonomia das partes na negociação coletiva e a necessidade de intervenção judicial em situações excepcionais. Qualquer decisão deve servir como norte para orientar as entidades sindicais e evitar que questões de direito individual do trabalho interfiram na validade de instrumentos coletivos amplamente negociados.
Ao final de tudo, o que se espera, é que os julgamentos de IRDRs tenham o potencial de estabelecer diretrizes claras e consistentes para o direito coletivo do trabalho, promovendo maior previsibilidade e eficácia na resolução de conflitos.